terça-feira

De tanto eu insistir, finalmente aceitou apresentar-me aos seus amigos durante jantar que seria preparado por mim segundo as suas condições.

Eu devia deixar tudo ajeitado antes para não me ocupar durante a festa, e devia usar saia. Simples assim, festejei a conquista tão esperada e cuidei encantada dos preparativos.

_ Acho que está tudo pronto, estou bem assim?

_ Venha cá.

Fez-me debruçar sobre a mesa e aos pés dela algemou minhas mãos, vendou-me. Mesmo surpresa, algo receosa, não ousei fazer perguntas, não o agradavam e eu achei melhor dar-me por satisfeita que tivesse atendido aos meus pedidos, de toda forma por certo logo me soltaria, os convidados estavam para chegar. Esperei.

Afligiu-me o toque da campainha, e certa angústia me tomou quando ouvi vozes na sala antes de ser solta; que eu devia fazer, dizer boa noite, como vai?

_ Essa é a moça que eu queria te apresentar.

Silêncio.

Risos.

_ É linda, parabéns.

_ Venha, o que você bebe? Tem um vinho ótimo aqui.

Puseram-se a conversar como se eu não estivesse lá, e assim foi com os demais que chegaram, não sei quantas vezes a campainha tocou, quantas vozes diferentes zumbiam ao meu redor quando uma mão alisou-me a coxa. Ai. O riso dele, bonachão.

_ Pode apalpar à vontade, ela estava mesmo louca para conhecer vocês.

De quando em quando uma mão nos meus cabelos, sob a saia, sob a blusa, um dedo na boca que apenas entreabri mortificada, já não sabia se meu corpo parecia estalar pela dor da posição continuada ou pela tensão ininterrupta.

Depois de algum tempo começaram as despedidas, algumas acompanhadas de tapinhas no meu traseiro e agradecimentos pelo jantar, uma lágrima de alívio me escapou. Finalmente o silêncio outra vez, e então o barulho da chave nas algemas, deixei-me cair ao chão, encolhida, arfando, apalpando os braços.

_ Gostou do pessoal? Eles adoraram você.
Eu estava tranquila até que vi o Edu de botas. Botas cowboy por cima da calça, piscadela marota e comentários que só aos gays pertencem, minha mão voou na sua cintura:
_ Poxa, Edu, de botas?
Riu, debochado.
Depois o flagrei no quarto quando fui buscar minha bolsa, estava lá com o cara mais gato da festa, o rosto já vermelho da barba por fazer do outro. Mais do que fingir que não me viram, exibiram-se para mim. Beijando, apalpando-se os paus mutuamente, eis que surge uma bunda branca, prontamente agarrada por mão peluda, viram-se e sobra aos meus olhos o gato com as calças arriadas, por trás o Edu, e me olham. Foi como que hipnotizada que me adiantei, ajoelhei e passei a chupar aquele moço que se dava, lambendo as bolas de ambos, acompanhando seus movimentos, deliciando-me com o prazer alheio, o inusitado da cena, as mãos de um e de outro nos meus cabelos, a buceta montada no meu próprio tornozelo, e ainda não me dera conta de quem era quando gozamos os três.
Culpa das botas. Fetiche é coisa séria, e eram de cowboy.

quarta-feira

Percorro com o dedo a curva do teu ombro; cada pedaço da tua pele me impressiona vivamente, a espaços milimétricos vão brotando pintas, pelos, veias e planices; pequenos cenários em que adivinho tesouros guardados, resquícios de beijos, ventos marítimos, perfumes diversos.

A pele é um fino tecido a embalar teu corpo; intriga-me saber que ao tocá-la estou tão perto e distante de tudo - tudo! - que dá forma a ti, aí dentro a origem dos teus gestos, o ar que respiraste arfante ou descansado, as dores todas por que passaste, tua carne nutrida em repastos que desconheço, teu universo tão singular protegido e representado na fragilidade dos poros, células e terminações nervosas que se agrupam e ofereces ao meu toque.

Quando antes de mim o vapor do meu suor alcança o teu me comovo; é como um filho a realidade que criamos juntos, partículas infinitesimais combinando-se tão rápido que sequer percebemos; em cada uma delas um pouco do que sou e do que és e ainda assim nada concreto resta; não há resto, há processo.

Na língua o sal e as células mortas que te recobrem; lamber-te é então um jeito de tomar-te aos bocados; enquanto recebo aberta o que teu corpo expele também me aproprio de ti e te contamino; nos mesclamos aos poucos, lembrança a lembrança, fluído a fluído.