terça-feira

Azul, verde, marrom, verde, verde, verde, marrom, verde, verde, azul, azul, azul, azul.
Corríamos pelo canavial. Verde, verde, azul, azul, ssssssssit.
Vermelho.
_ Ah!
_ Que foi?
_ A folha cortou o meu braço.
_ Oh. Deixa ver.
Lambeu.
_ Eca, você não tem nojo?
_ Não, é doce, ó.
Lambia.
_ Hum, arde, e faz cócega, pára.
_ Não, espera, deixa.
_ Hahaha. Não, cócega, aí não cortou.
_ Mas aqui é doce.
_ Eca, aí é fedido, você tem cada gosto.
_ Não é, boba, é doce e ardido. Você ainda não tem pêlos?
_ Tenho! Já tenho, sim.
_ Tem nada. Meu pai diz que quando a gente está crescido aparecem os pêlos embaixo do braço. Você acha que já é moça?
_ É claro que sim.
_ Você já beijou?
_ Claro, muitas vezes.
_ Mentira.
_ Mentira nada.
_ Então me mostra.
_ Não!
_ Anda, me mostra.
_ Não, pára, me solta.
_ Aposto que eu beijo melhor do que você.
_ Beija nada.
_ Você nem sabe beijar que eu sei.
_ Então tá. Ó.

O mundo tremia no ritmo das cigarras, besouros, abelhas zonzas, as cores todas vibrando sob o sol forte e tudo era a Grande Ópera do Sítio, nossas bocas grudadas como ato final, dali para frente só correndo muito, todo o caminho de volta, pro coração voltar a bater.

quinta-feira

Todos fora, só os gatos pela frente na casa vazia. O pote de mel.
_ Vem, bichano, vem...
Deitada no sofá, nua, ia esfregando o mel na xoxota.
O gato fazia a festa.
Assim passavam as horas.

terça-feira

A mera visão de um controle remoto já lhe causava certo mal estar. Lembravam-na das cenas que revia infinitas vezes, rew, stop, play, rew, stop, play, até exasperar-se consigo mesma, mais uma vez sucumbira, escrava das ilusões perfeitas.

Não que gostasse do que via; na verdade detestava tudo, chocava-se com as cenas, sim, mas principalmente consigo mesma; quem é que era, o que a prendia àquilo, o que tinha em comum com os atos grotescos?

O desespero alheio, a impotência terrível diante do mal gigantesco, poderoso, as lágrimas, a dor descontrolada, tudo isso a fazia querer estatelar um dos vasos da sala na tela-portadora-do-pecado, mas não podia e via até o fim. E então tudo outra vez.

Era assim como uma droga, um chocolate proibido e secreto, a nota a quebrar o tédio como um acidente de carro num filme de Cronenberg.

segunda-feira

Zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzu. O som do zíper correndo pelo couro da bota.

Toc. O salto batendo no chão de tacos.

Zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzu.

_Espere, disse, erguendo a mão.

Ajoelhou-se, segurou no calcanhar e com cuidado descobriu o pé muito branco.

_ Você usa bota sem meia, observou.

Aproximou o rosto, aspirou solene, um tanto de carvalho e frutas vermelhas, talvez algo de amêndoas e terra, parecia que ia dizer algo assim, mas não, calou.

Logo a língua a deslizar por entre os dedos, os dentes raspando nas peles mais grossas, olham-se.

Na boca, todos os lugares por onde ela passou.
O perseguia faminta por todos os sonhos, os instantes guardados para os devaneios só seus eram sagrados e nem ao telefone atendia para não interromper um encontro imaginado. Era sempre ele brilhando no infinito, distante e atraente como uma estrela, visto não naquilo que era mas naquilo que anteviam seus desejos, as aspirações confusas pela sua porra e a voz que ela imaginava, as palavras e gestos que ela lhe dava para compor o desenho da sua pessoa intangível, tudo se resumindo num pau generoso a cuspir o fogo branco, nela, para ela, por cima e dentro dela.


Essa história durou meses, até que começou a incomodá-la, tinha medo de obsessões, dependência, fixação. Conheceu Roseli-dedos-de-anjo e parou de comer queijo brie. Ainda sonha com a porra-cometa-líquido, mas agora é sem querer.
Estávamos sob as árvores e eu não devia mas toquei seus lábios com os meus e te falei no ouvido: deixa eu te abraçar só um pouquinho, só isso, e você deixou.

Respirei fundo e fiquei ali, absorvida pelo prazer que aquele contato me dava, a rara sensação de paz.

E chega, um instante apenas é bom, bastante e tudo que podemos agora. Sorrimos e iniciamos uma conversa qualquer, nossas defesas estavam todas em pé e cautelosos tentávamos reafirmar a veracidade das palavras de outrora só que em outros moldes, e por isso procurávamos dominar velhos hábitos.

Na despedida meteu-me a mão pelo elástico do short e calcinha adentro.
_ Queria saber como você estava, sorriu.